quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Eros e Psique



A noite inteira ele tentou, bunda, peitos, coxas, apalpou tudo quanto pode, e como quis. Ela tentava se desvencilhar, não por não querer, mas porque não sentia em tais gestos a vontade de ceder. Mas ele não desistia, se tirava a mão daqui, punha-a logo lá... As bruscas investidas visavam um único objetivo.

Fora assim toda a madrugada, e quando o sol ia surgindo, quando os gestos se acalmaram e as vontades se apaziguaram, súbito, dentre beijos calmos, ele a puxou, inclinou-a como uma dama de antanho, e a deitando em seus braços a beijou. Um beijo lento, longo e ritmado. É o que ela se lembrou depois, porque durante nada, nada mais havia que não eles, os dois, os corpos, os lábios, as línguas.
Quando a ergueu riu-se vitorioso do tremor involuntário que a acometia. Viu que seus olhos lânguidos imploravam por mais, mas, no exato momento em que conseguira o que tanto buscava, em que estava prestes a ter o que queria, despediu-se, deu-lhe as costas e foi embora.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Uma lição de amor


Ponto de ônibus, fim de tarde, um casal se senta ao seu lado, pai e filha, ele sorridente, ela toda cuidados... Incrível como o simples abotoar de uma camisa faz minar lágrimas de saudade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Dos pequenos grandes gestos



Hesitou, passou um, dois, no terceiro ônibus ele subiu. Não encarou o motorista, apenas procurou rapidamente um lugar para se sentar, sentou. Suava, as mãos frias, o olhar vacilante, a ansiedade. Não tinha com que pagar a passagem e nem tinha idade que o isentasse, um ano, um ano apenas, mas ainda não. A idade não se via no rosto, que aparentava dez anos a mais, de certo sofrera, e o sofrimento vincou-lhe a face como o talhe de um artesão, que quisesse expressar o resultado de uma dor crônica e aguda. Aproximava-se o ponto, deveria descer, solicitada a parada, rápido, dirigiu-se a porta, mas, antes de abri-la o motorista, desconfiado, solicitou-lhe o documento. A carteira dançava em suas mãos. Muitos anos, mas não o suficiente para não pagar a passagem. O motorista, insensível cumpridor do dever profissional, alterou a voz ao cobrar-lhe, e ele, num sussurro rouco e clemente replicou: “não tenho dinheiro”. Ele que assistia a tudo calado. Interveio, pagou-lhe a passagem, e pediu o que o deixassem descer. Dois reais não lhe faria falta, mas fez diferença para aquele que, sem demora, apeou e se foi.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Bravura indômita



Era o dono da rua, ou melhor, do bairro, primeiro morador, quem primeiro fixou residência lá. E de lá não mais saiu. Valente, metido a macho e a coronel, resolvia tudo na bala, e ai de quem com ele se metesse. Os outros que por ali foram chegando tinham-lhe medo. Passou o tempo... Os anos levaram sua força e altivez, não seu gênio. Acometido por Parkinson, perambula trêmulo pelas ruas, sem auxilio, só se apoia ante a iminência da queda. Depende de cuidados, mas poucos se importam, apenas uma das filhas. A esposa, se cansou de tantos maus tratos e não se digna a estender-lhe a mão, cuida de si, e ele que se cuide. Triste figura, a sombra distante do homem que um dia fora.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Menina de ouro

  
     Incomodada, era assim que ela se sentia quando a alisava. Embora a preocupação fosse sincera, afinal, ela estava ali, na cama de um hospital, imobilizada; de tão raro, o gesto lhe parecia vazio, forçado. Pediu então que a deixasse, tudo bem, nada com que se preocupar, poderia ir.  Não sem transparecer certo alívio ao tempo em que certa magoa, ao ser liberada se foi. O incômodo era recíproco. Ela, viu-se só, e sentiu que queria ter ouvido  uma recusa... Mais tarde, as coisas se complicaram, viu-se dependente da caridade alheia, e quando a vontade de não ligar foi menor que a necessidade, ela ligou, pediu que voltasse. Do outro lado uma voz áspera questionava a razão de ser chamada a voltar. Ela respirou e concluiu: Era necessário. Sentindo-se cada vez mais só, viu contrariada por ter de estar ali a única no mundo que não a deveria desamparar. Para não se ver fraca ela chorou por dentro, e essas lágrimas ainda não secaram.

domingo, 26 de julho de 2015

CinderElla





E novamente, inesperadamente, ela o encontrou, num repente, olharam-se como da primeira vez. Riu-se do acaso, pensara naqueles olhos por toda a semana, e agora os tinha ali. “Quando se quer muito algo o universo conspira a favor”, ela lembrou, e logo se imaginou sendo seguida por ele, imaginou-se sendo abordada, ensaiou o que diria. Mas ao descer do ônibus, pôs os pés no chão e percebeu que não é era Cinderela, não havia festa, nem fada.

sábado, 25 de julho de 2015

Desabafo



Ela sentia que queria chorar, evitava olha-lo nos olhos, sabia que ele sabia que havia algo estranho. O cansaço declarado nas palavras, no rosto, e no corpo que pedia insistentemente o conforto da inércia. Ele sabia. Não o quê, mas seus olhos acusavam a vontade. Chegou a dizer o que há tempos já havia percebido, chegou a perguntar o que a afligia. Ela desconversou, olhou de lado, e sem o encarar, engoliu o choro, forçou o riso e safou-se de um desabafo. Ela não sabia ser vulnerável.