Hesitou, passou um, dois, no
terceiro ônibus ele subiu. Não encarou o motorista, apenas procurou rapidamente
um lugar para se sentar, sentou. Suava, as mãos frias, o olhar vacilante, a
ansiedade. Não tinha com que pagar a passagem e nem tinha idade que o
isentasse, um ano, um ano apenas, mas ainda não. A idade não se via no rosto, que aparentava dez anos a mais, de certo sofrera, e o sofrimento vincou-lhe a
face como o talhe de um artesão, que quisesse expressar o resultado de uma dor
crônica e aguda. Aproximava-se o ponto, deveria descer, solicitada a parada, rápido,
dirigiu-se a porta, mas, antes de abri-la o motorista, desconfiado, solicitou-lhe
o documento. A carteira dançava em suas mãos. Muitos anos, mas não o suficiente
para não pagar a passagem. O motorista, insensível cumpridor do dever
profissional, alterou a voz ao cobrar-lhe, e ele, num sussurro rouco e clemente
replicou: “não tenho dinheiro”. Ele que assistia a tudo calado. Interveio,
pagou-lhe a passagem, e pediu o que o deixassem descer. Dois reais não lhe
faria falta, mas fez diferença para aquele que, sem demora,
apeou e se foi.
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Bravura indômita
Era o dono da rua, ou melhor, do
bairro, primeiro morador, quem primeiro fixou residência lá. E de lá não mais
saiu. Valente, metido a macho e a coronel, resolvia tudo na bala, e ai de quem com
ele se metesse. Os outros que por ali foram chegando tinham-lhe medo. Passou o tempo... Os anos levaram sua força e
altivez, não seu gênio. Acometido por Parkinson, perambula trêmulo pelas ruas,
sem auxilio, só se apoia ante a iminência da queda. Depende de cuidados, mas poucos
se importam, apenas uma das filhas. A esposa, se cansou de tantos maus tratos e não
se digna a estender-lhe a mão, cuida de si, e ele que se cuide. Triste figura,
a sombra distante do homem que um dia fora.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Menina de ouro
Incomodada, era assim que ela se sentia quando a alisava. Embora a preocupação fosse sincera, afinal, ela estava ali, na cama de um hospital, imobilizada; de tão raro, o gesto lhe parecia vazio, forçado. Pediu então que a deixasse, tudo bem, nada com que se preocupar, poderia ir. Não sem transparecer certo alívio ao tempo em que certa magoa, ao ser liberada se foi. O incômodo era recíproco. Ela, viu-se só, e sentiu que queria ter ouvido uma recusa... Mais tarde, as coisas se complicaram, viu-se dependente da caridade alheia, e quando a vontade de não ligar foi menor que a necessidade, ela ligou, pediu que voltasse. Do outro lado uma voz áspera questionava a razão de ser chamada a voltar. Ela respirou e concluiu: Era necessário. Sentindo-se cada vez mais só, viu contrariada por ter de estar ali a única no mundo que não a deveria desamparar. Para não se ver fraca ela chorou por dentro, e essas lágrimas ainda não secaram.
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